Quotas preferenciais para sociedade limitada

Por conta da maior simplicidade e menores custos operacionais, a maioria das startups em início da trajetória adota a forma das sociedades limitadas, como já explicamos em outras publicações.

A partir da edição da Instrução Normativa nº 38/2017 do DREI (Departamento de Registro Empresarial e Integração) e, mais recentemente, através da complementação advinda da Instrução Normativa nº 81/2020, do mesmo órgão, tornou-se possível à sociedade limitada não apenas adotar quotas preferenciais em conjunto com quotas ordinárias, como também criar quotas preferenciais sem direito a voto.

Para compreender como essa possibilidade impacta fortemente o mundo de startups – especialmente startups early stage –, é preciso compreender o que são quotas preferenciais. Como visto em momentos anteriores, quotas nada mais são do que frações da participação societária; ou seja, se um sócio é titular de 30% das quotas de uma sociedade, significa dizer que ele é dono da fração de 30% de tudo que compõe a Startup, tanto o patrimônio tangível, quanto o intangível.

Ocorre que, quando se analisava o tema com apenas a possibilidade de quotas ordinárias, todos os sócios teriam os mesmos direitos e obrigações, em patamares distintos tão somente no que se referia ao percentual titularizados do capital social. As quotas preferenciais, por sua vez, são quotas com direitos e restrições diferenciadas; trata-se da criação de uma segunda classe de quotas na sociedade limitada. Significa dizer que, agora, é possível haver sócios com quotas ordinárias sócios com quotas preferenciais.

Elas recebem essa nomenclatura “preferencial”, porque elas precisam ser dotadas de alguma preferência, alguma vantagem. Na maioria dos casos, essa preferência é conferida no recebimento prioritário dos resultados da empresa (distribuição de lucros), bem como no recebimento antecipado de valores quando da sua liquidação (extinção da sociedade). Como essas quotas são dotadas dessas preferências, para deixá-las equilibradas em relação aos quotistas ordinários, é possível limitar ou até retirar o direito de voto do quotista preferencial.

A adoção das quotas preferenciais está expressamente prevista no item 5.3 do Manual de Registro da Sociedade Limitada, do Ministério da Economia, como desdobramento da possibilidade de adoção supletiva das normas da sociedade anônima, com base no art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil[1]. Desse ponto, extraem-se duas informações muito importantes: a) necessidade de observância do limite de 50% de quotas preferenciais sem direito a voto[2] (pode haver mais de 50% de quotas preferenciais, desde que preservado o direito de deliberação e votação[3]); e b) se as quotas preferenciais não tiverem direito a voto, elas não serão levadas em consideração tanto para os quóruns de convocação, quanto de deliberação.

Essa segunda regra é extremamente importante para startups: trata-se de uma possibilidade instrumental para viabilizar que o aporte de investimentos na sociedade limitada ocorra sem que os founders percam o controle societário. Isto é, poderá o investidor entrar na sociedade, inclusive com o direito de percepção prioritária do retorno do seu investimento; em contrapartida, suas quotas preferenciais não terão direito a voto, de modo a preservar o controle da sociedade nas mãos dos fundadores, emocional, técnica e profissionalmente vinculados ao modelo de negócios desenvolvido.

A possibilidade de os quotistas preferenciais não terem alguns direitos em compensação às suas vantagens (ex.: prioridade na distribuição de lucros) está amparada no art. 111 da Lei das Sociedades Anônimas, uma vez que só não podem ser restringidos alguns direitos, tidos como essenciais (ex: fiscalizar a gestão da sociedade). Considerando que o direito de votar não integra esse rol, é possível limitá-lo e até obstá-lo.[4]

Logicamente, o titular da quota preferencial – usualmente investidor – terá preservado o seu direito de fiscalizar a administração da sociedade, mas, por não ter direito de votar nas deliberações da startup, não poderá, em regra, interferir na sua administração[5]. Entretanto, uma forma de preservar os interesses do investidor e manter a relação equilibrada é prever, no contrato social ou no acordo de cotistas, que o investidor titular das quotas preferenciais poderá vetar determinadas decisões que possam impactar negativamente o seu investimento (ex.: tomada de empréstimo acima de determinado valor).

Como se pode perceber, a cota preferencial representa uma possibilidade bastante interessante para as startups, aproximando-a das sociedades anônimas, mas sem todas as formalidades e custos próprios dessas sociedades mais complexas. Essa modificação dará maior flexibilidade tanto para startups, quanto para investidores, permitindo diferentes conformações negociais. Considerando que, quanto maiores as possibilidades, maiores os cuidados, mostra-se indispensável buscar acompanhamento e assessoria técnico-jurídica de profissionais especialistas no segmento e na matéria contratual.

Para maiores informações sobre Direito Societário e Startups, acompanhe nossas postagens e aguardamos comentários e dúvidas!

*Rafael Duarte é Advogado, responsável pelo setor de Direito Imobiliário e Contratos Empresariais do escritório Caputo Assessoria Jurídica; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS; Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS; Atua na área empresarial com ênfase em Startups e empresas do setor imobiliário. www.caputoadvogados.com.br

[1] Código Civil. Art. 1.053. […] Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.

[2] Lei n. 6.404/76. Art. 15. […] § 2º O número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinqüenta por cento) do total das ações emitidas.

[3] “O dispositivo, contudo, deve ser lido com cuidado para evitar equívocos: pode-se ter maior número de ações preferenciais, desde que sem a restrição de voto.” (MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 258)

[4] “O artigo 111, caput, da Lei 6.404/76 permite que o estatuto deixe de conferir às ações preferenciais algum ou alguns dos direitos reconhecidos às ações ordinárias, entre os quais o direito de voto. […] Apenas não podem ser restringidos os direitos listados pelo artigo 109.” (MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 257)

[5] “O preferencialista sem direito de voto torna-se, assim, mero prestador de capital. Tem ele direito de fiscalizar como a sociedade anônima está sendo administrada, mas não pode interferir nessa administração.” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2: direito de empresa. 16. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012. p. 86)

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