Startups: O que é aumento do capital social?

O capital social, na constituição da sociedade empresária, deve ser interpretado como o endereçamento mínimo de recursos para que a atividade societária possa começar. Logicamente, a definição desse valor dependerá da vontade dos sócios e da espécie de atividade a ser realizada, uma vez que, para determinadas atividades, há maior necessidade de investimento em equipamento e estrutura (fazendo com que o capital social inicial seja mais alto) e, para outras, o foco está na criatividade e know-how dos fundadores, exigindo menor aporte inicial de recursos.

Com esse capital inicial, os fundadores começarão a desenvolver a atividade, firmando contratos com clientes e fornecedores e, comprovada a qualidade de ideia e da gestão, o valor aportado reverterá em resultados proveitosos, os quais poderão ou ser distribuídos entre os sócios (distribuição de resultados) ou reinvestidos na sociedade, no processo de capitalização.

Quanto à capitalização, convém explicar que se trata de apenas de uma das formas de se aumentar o capital da sociedade, pois poderá ocorrer tanto mediante o aporte de valores novos, ou pela capitalização da startup, que nada mais é do que a “incorporação de lucros, ou seja, deixando de distribuir aos sócios o superávit econômico verificado ao longo do exercício para, com ele, capitalizar a sociedade.”1

Ocorre que, independentemente da forma escolhida pelos sócios para aumentar o capital social da sociedade (novos aportes ou incorporação de lucros), o art. 1.081 do Código Civil é muito claro ao determinar que o aumento do capital social só será admitido se o capital social registrado estiver totalmente integralizado e se for realizada a consequente modificação do contrato social, adaptando-o ao novo capital registrado2.

Essa exigência é reforçada no Manual de Registro das Sociedades Limitadas, do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração, no item 4.2. da Seção IV: “4.2. AUMENTO DE CAPITAL. O capital somente poderá ser aumentado, se totalmente integralizado (art. 1.081 do Código Civil). Essa condição deve ser declarada na alteração contratual.”3 De mesmo modo, pela doutrina: “Perceba-se que o aumento só será possível se o capital social já estiver integralizado.”4

Considerando que, para realizar o aumento do capital, será necessário promover a alteração do contrato social, conclui-se que referida majoração dependerá de aprovação de, pelo menos, 75% dos titulares de participação societária, uma vez que a modificação do contrato social (art. 1.071, V, CC5) depende de quórum qualificado de 3/4 (75%) do capital social (art. 1.076, I, CC6).

O procedimento de aumento do capital social exige, ainda, o respeito a algumas regras internas muito importantes, cuja finalidade central é prestigiar os sócios atuais. Isso porque o aumento do capital social poderá abrir a possibilidade de outras pessoas ingressarem na startup; como a preocupação legal, em sociedades de pessoas (intuitu personae) tende a ser a preservação da estrutura original, os fundadores deterão o chamado direito de preferência na subscrição de capital.

O direito de preferência na subscrição do capital serve à finalidade evitar a “diluição da participação societária”7. Imaginemos uma sociedade composta 100 quotas e 5 sócios, cada um com 20 quotas de R$ 1 mil (cada um com 20% do capital). Caso seja realizado o aumento do capital mediante a criação de 100 novas quotas de mesmo valor, cada sócio terá preferência na aquisição de 20 quotas cada, de modo a, assim, preservar os seus 20% no capital social; cada um terá 40 das 200 quotas.

Se, contudo, um deles não exercer esse direito de preferência, ele permanecerá com 20 quotas; essas 20 quotas, por sua vez, não mais representarão 20% do capital social, e sim apenas 10%, ocorrendo, assim, evidente diluição de sua participação societária.

Realizada a deliberação em assembleia/reunião pelo aumento do capital social (respeitado o quórum de 75%), terão os sócios o prazo de 30 dias para exercer a preferência na participação do aumento do capital, de modo proporcional às suas quotas8. No exemplo acima, cada sócio terá preferência na aquisição de até 20 novas quotas. Além disso, poderá o sócio optar por ceder o seu direito de preferência, o que será possível, desde que não haja oposição de mais de 25% do capital social9.

Passados os 30 dias, com o exercício ou cessão do direito de preferência, bem como com a manutenção da mesma composição societária ou com ingresso de novos sócios, far-se-á nova reunião/assembleia, para o fim e aprovar a modificação do contrato social e, então, ser levada a registro na Junta Comercial10.

Além disso, quanto à estruturação do aumento do capital, podem ser mencionadas duas principais hipóteses no que concerne ao número ou valor das quotas: a) Atribuição de novo valor às quotas já existentes, aumentando o seu valor unitário; ou b) Criação de novas quotas. A escolha por qualquer das opções passará pela resposta à seguinte questão: os sócios têm ou não interesse no ingresso de terceiros na sociedade?

Caso a pretensão dos sócios seja obstar a entrada de terceiros, o mais adequado é optar pela atribuição de novo valor às quotas já existentes. Se, contudo, houver interesse no ingresso de novos sócios, a criação de novas quotas é uma opção interessante, visto que será a consequência natural caso os founders não exerçam seus direitos de preferência respectivos.11

Há, por fim, outras maneiras de se reforçar economicamente a startup sem que, necessariamente, implique em alteração contratual. Como explanado, o aumento do capital social não apenas exige formalização mediante alteração do contrato social, como também é considerado ato irreversível. Isto é, a única forma de se “voltar atrás” de aumento do capital será em subsequente alteração visando à redução do capital social, a qual será examinada na próxima publicação.

Assim sendo, Gladston Mamede informa que o incremento econômico da sociedade pode se dar mediante a “formação de reservas de capital ou de fundos, com a vantagem de serem constituídos sem alteração contratual, além de serem reversíveis.”12 São, desse modo, opções interessantes para que a startup possa aumentar de porte, consolidando ganhos decorrentes das atividades empresariais, sem precisar percorrer todos os trâmites burocráticos da Junta Comercial e sem se prender a um aumento formal do capital.

Todas essas diferentes possibilidades mostram a importância de se contar com assessoria especializada na elaboração do contrato social e demais ajustes contratuais subsequentes, com o propósito de encontrar a alternativa que melhor corresponde à pretensão dos sócios, uma vez que as possibilidades são múltiplas. Seja qual for a escolha tomada pelos sócios, é instrumental que ela seja formalizada de forma segura e transparente, para oportunizar o crescimento orgânico e sustentável da startup.

Para maiores informações sobre Direito Societário e Startups, acompanhe nossas postagens e aguardamos comentários e dúvidas!

 

*Rafael Duarte é Advogado, responsável pelo setor de Direito Imobiliário do escritório Caputo Assessoria Jurídica; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS; Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS; Atua na área empresarial com ênfase em Startups e empresas do setor imobiliário. www.caputoadvogados.com.br

 

1 MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 204.

2 Código Civil. Art. 1.081. Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital aumentado, com a correspondente modificação do contrato.

3 DEPARTAMENTO Nacional de Registro Empresarial e Integração. Manual de Registro de Sociedade Limitada. Ministério da Economia, 2020. p. 59. Disponível em: http://www.mdic.gov.br/images/REPOSITORIO/SEMPE/DREI/INs_EM_VIGOR/ANEXOS_2020/IN81/Anexo_IV_-_Manual_de_LTDA.pdf. Acesso em: 28 set. 2020.

4 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial: volume único. 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. p. 592.

5 Código Civil. Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: […] V – a modificação do contrato social.

6 Código Civil. Art. 1.076. Ressalvado o disposto no art. 1.061, as deliberações dos sócios serão tomadas: I – pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071.

7 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial: volume único. 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. p. 593.

8 Código Civil. Art. 1.081. […] § 1º Até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para participar do aumento, na proporção das quotas de que sejam titulares.

9 Código Civil. Art. 1.081. […] À cessão do direito de preferência, aplica-se o disposto no caput do art. 1.057. […] Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

10 Código Civil. Art. 1.081. […] § 3º Decorrido o prazo da preferência, e assumida pelos sócios, ou por terceiros, a totalidade do aumento, haverá reunião ou assembléia dos sócios, para que seja aprovada a modificação do contrato.

11 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial: volume único. 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. p. 593.

12 MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 204.

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