Consequências da morte, divórcio ou dissolução de união estável do sócio: Como antecipar os efeitos no contrato social?

Na publicação sobre a affectio societatis, ficou demonstrado que, em sociedades de pessoas, o sucesso do empreendimento tende a depender fortemente das conexões entre os sócios, que os tornem propensos a buscar interesses comuns; verdadeiro alinhamento de interesses, ainda que não exista uma afeição em sentido emocional.

O tema das consequências decorrentes da morte, divórcio ou dissolução de união estável de sócio possui estrita relação com a affectio societatis, sob o fundamento de que, com essa ocorrência, é possível que tanto herdeiros, quanto o cônjuge/companheiro do sócio passem a ter direitos sobre a integralidade ou parte da participação societária do sócio falecido ou cujo relacionamento se extinguiu.

Isso decorre do fato de as quotas societárias abarcarem direitos sociais e direitos patrimoniais. Ou seja, patrimonialmente, são bens jurídicos e integram o patrimônio do sócio. Desse modo, com o seu falecimento ou com o seu divórcio ou dissolução de união estável em regime de bens a determinar a integração das quotas da sociedade no patrimônio comum do casal, qualquer das ocorrências “implicará partilha das quotas”1.

Entretanto, como a sociedade de pessoas ostenta caráter intuitu personae – de modo que se apresenta claramente refratária ao ingresso de estranhos –, é instrumental que o contrato social regule as consequências daí advindas, notadamente para o fim de conferir aos demais sócios o direito de recusar o ingresso, na sociedade, de herdeiros ou do ex-cônjuge/companheiro do sócio.

Para consagrar essa distinção entre os reflexos patrimoniais e sociais da titularidade de participação societária, a 3ª Turma do STJ, no julgamento do REsp. n. 248.269/RS, concluiu ser direito dos herdeiros ou do cônjuge/companheiro ter participação nos lucros e na partilha do acervo líquido. Isto é, há comunicação da esfera patrimonial, mas o “que não se comunica é o status de sócio”2, o que significa dizer que, para preservar a affectio societatis, não há como entender pela possibilidade de ingresso forçado dos sucessores.

Outrossim, para preservar a saúde financeira da startup, evitando-se a descapitalização abrupta da sociedade empresária, o ex-cônjuge/companheiro ou os herdeiros do sócio não poderão “exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à Sendo assim, a forma correta de obtenção do retorno patrimonial a que fazem jus o cônjuge/companheiro e os herdeiros será mediante a liquidação das quotas respectivas, o que demandará tempo específico, permitindo à sociedade estruturar-se para viabilizar a satisfação de referida obrigação .

Uma curiosidade importante é trazida por André Luiz Santa Cruz, ao informar que, por muitos anos, o falecimento de um dos sócios de sociedade contratual era causa de dissolução total da sociedade, exceto se os sócios expressamente optassem por dar continuidade à empresa. Ocorre que, atualmente, vige o princípio da preservação da empresa , razão pela qual a morte do sócio ocasiona apenas a dissolução parcial da sociedade, liquidando-se suas quotas.divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade”3.

Sendo assim, a forma correta de obtenção do retorno patrimonial a que fazem jus o cônjuge/companheiro e os herdeiros será mediante a liquidação das quotas respectivas, o que demandará tempo específico, permitindo à sociedade estruturar-se para viabilizar a satisfação de referida obrigação4.

Uma curiosidade importante é trazida por André Luiz Santa Cruz, ao informar que, por muitos anos, o falecimento de um dos sócios de sociedade contratual era causa de dissolução total da sociedade, exceto se os sócios expressamente optassem por dar continuidade à empresa. Ocorre que, atualmente, vige o princípio da preservação da empresa5, razão pela qual a morte do sócio ocasiona apenas a dissolução parcial da sociedade, liquidando-se suas quotas.

Como se não bastasse, a preocupação é tão grande com a preservação da atividade empresarial que a própria dissolução parcial da sociedade pode ser evitada, caso se delibere pela sucessão dos herdeiros (ou até do cônjuge/companheiro). Isto é, há uma convergência de interesses evidente no sentido de assegurar que a sociedade empresária seja protegida, como decorrência da chamada função social da empresa6, por conta de sua aptidão à geração de riqueza, empregos, arrecadação tributária etc.

Ainda, considerando que a affectio societatis produz reflexos para ambos os partícipes desta nova relação (por um lado, demais sócios, e, de outro, os herdeiros e cônjuge/companheiro), caso os sucessores não tenham interesse em ingressar na sociedade – ainda que o contrato social permita e os sócios não se oponham –, eles não são obrigados a assumir o status de sócio. Isto é, eles “podem assumir a condição de sócio, mas a isso não estão obrigados. Podem, sim, optar pela liquidação das quotas, retirando-se da sociedade.”7

Como forma de atenuar os riscos advindos do esvaziamento de recursos decorrentes do falecimento ou fim de relacionamento afetivo de algum dos sócios, poderão os empreendedores, juntamente com sua consultoria especializada, ajustar, no contrato social, o detalhamento da regulamentação do tema. Primeiramente, esclarece-se ser perfeitamente possível estipular que não será admitido o ingresso de herdeiros ou ex-cônjuge/companheiro.

Além disso, para o fim de assegurar a liquidação de quotas de modo seguro para os cofres da startup, pode o contrato social regular tanto a forma de apuração dos haveres (avaliação do porte econômico da sociedade e, por conseguinte, das quotas do sócio), quanto a forma e condições de pagamento das quotas devidas ao cônjuge/companheiro ou herdeiros. Isto é, poderá o contrato social estabelecer, por exemplo, que as quotas serão pagas em 120 parcelas, o que permitirá uma liquidação que se amolde ao fluxo de caixa da sociedade.

Há múltiplas possibilidades de regulação, sendo instrumental que os sócios busquem assessoria especializada, como forma de assegurar que o contrato social e acordos de sócios sejam elaborados consolidando as suas vontades livres, sempre com o propósito convergente de sucesso da startup. Na elaboração desses instrumentos, é vital a realização de reuniões e diálogos, com a exposição pelos sócios de seus receios e interesses, para que os instrumentos sejam redigidos do modo mais customizado possível, respeitando-se, sempre, as limitações legalmente impostas.

Para maiores informações sobre Direito Societário e Startups, acompanhe nossas postagens e aguardamos comentários e dúvidas!

 

*Rafael Duarte é Advogado, responsável pelo setor de Direito Imobiliário do escritório Caputo Assessoria Jurídica; Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul; Pós-graduado em Direito Negocial Imobiliário pela Escola Brasileira de Direito; Pós-Graduado Direito Imobiliário pela Faculdade Legale/SP; Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale/SP; Membro da Comissão Direito Imobiliário da OAB/RS; Membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS; Atua na área empresarial com ênfase em Startups e empresas do setor imobiliário. www.caputoadvogados.com.br

 

1 MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 105.

2 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 248.269/RS. Relator: Ministro Eduardo Ribeiro, 3ª Turma. Brasília. DJ: 02/05/2000. Disponível aqui. Acesso em: 20 de out. de 2020.

3 Código Civil. Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade.

4 “Portanto, não podem pedir o valor contratual das quotas ou a proporção sobre o patrimônio líquido, conforme o último balanço social. Seus direitos patrimoniais sobre a participação societária se exercem por meio de liquidação das quotas respectivas (artigo 1.031) […]” (MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 105)

5 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial: volume único. 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. p. 785-786.

6 “[…] o exercício da empresa (atividade econômica organizada) também deve cumprir uma função social específica, a qual, segundo Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 37), estará satisfeita quando houver criação de empregos, pagamento de tributos, geração de riqueza, contribuição para o desenvolvimento econômico, social e cultural do entorno, adoção de práticas sustentáveis e respeito aos direitos dos consumidores.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Função social da empresa. Gen Jurídico, 2016. Disponível aqui. Acesso em: 20 out. 2020.

7 MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 106.

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